EMENTA: DIREITO CIVIL – AÇÃO COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO – FACEBOOK – CRIAÇÃO DE PERFIL FALSO – VEICULAÇÃO DE CONTEÚDO DIFAMATÓRIO – RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PROPRIETÁRIA DO SÍTIO ELETRÔNICO – DANO MORAL – QUANTUM – RAZOABILIDADE.O prestador do serviço facebook responde de forma objetiva pelo conteúdo difamatório de mensagens veiculadas em páginas de sua responsabilidade. Em situações tais os danos morais devem ser compensados segundo indenização arbitrada com razoabilidade e proporcionalidade. Recurso provido.APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0435.12.000195-1/001 – COMARCA DE MORADA NOVA DE MINAS – APELANTE(S): RIVAIR RIBEIRO DE SOUZA – APELADO(A)(S): FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. SALDANHA DA FONSECA
RELATOR.
DES. SALDANHA DA FONSECA (RELATOR)
V O T O
Cuidam os autos de ação de obrigação de fazer c/c indenização ajuizada por Rivair Ribeiro de Souza em face de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., em que o autor, denunciando criação de perfil falso em página do requerido, com propósito de denegrir sua imagem, por atribuir-lhe características pejorativas e mensagens falsas, busca ver excluída a conta em referência bem como recompostos danos morais que do ocorrido resultaram.
A teor da r. sentença de f. 116-119 o pedido foi julgado parcialmente procedente para impor ao réu a obrigação de retirar o perfil falso do autor de seus bancos de dados. Em razão da sucumbência recíproca, foram rateados entre os litigantes em igual proporção os encargos financeiros da lide.
À f. 121-verso foram rejeitados os embargos de declaração de f. 120-121.
Insatisfeito, o demandante recorre. Com esteio na apelação de f. 123-128 sustenta, em síntese, estarem caracterizados na hipótese litigiosa os pressupostos condutores para o deferimento do pedido indenizatório. E tal afirma notadamente porque, no seu entender, ao prestador de serviços de relacionamento incumbe o dever de responder pelos prejuízos causados a terceiros pela publicação de conteúdo maléfico em seu banco de dados. Requer, de igual modo, seja informado o IP e e-mail do criador do perfil falso.
Em contrarrazões de f. 130-138 o apelado, refutando a insurgência adversa, pugna pelo seu desprovimento.
Conheço do recurso, porque preenchidos seus pressupostos de admissibilidade.
A questão litigiosa gravita em torno da responsabilidade do réu pela alegada criação de perfil falso do autor na comunidade facebook, dito na hipótese utilizado para denegrir a imagem deste ante as características pejorativas que lhe foram ali atribuídas, além de incluir manifestações inverídicas.
A evolução científica dos meios de comunicação mostra-se patente. Com isso, o mundo se diz globalizado e as pessoas buscam se relacionar de forma intensa. Nessa senda, criam supostas comunidades virtuais onde, não raro, fazem confidências, mesmo sabendo do risco da exposição. Noutra ponta situa-se um prestador de serviço, que disponibiliza os acessos virtuais sem qualquer rigor e fiscalização dos conteúdos lançados por seus usuários em seus sistemas, mesmo conhecendo a probabilidade destes denegrirem a honra e imagem de terceiros.
É certo que o progresso apresenta meios de comunicação admiráveis. No entanto, da doutrina do risco criado não escapam. Sobre a matéria merece particular realce a lição de Caio Mário da Silva Pereira, na obra “Responsabilidade Civil”, Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 132:
“Ao elaborar o Projeto de Código de Obrigações de 1985 fiz consignar nele (art. 872): aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito á reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo.
Com este dispositivo, procurei inserir em nosso direito positivo com visos de generalidade, a responsabilidade civil fundada no risco criado. Em alusão ao assunto, Aguiar Dias considera que o Projeto de Código de Obrigações resolve satisfatoriamente a questão da responsabilidade do principal. “Por aí, acrescenta ele, a responsabilidade será presumida, ressalvada ao responsável a prova em contrário” (Da Responsabilidade Civil, II, nº 193).
Assim instituindo o princípio da responsabilidade civil com perfilhação da doutrina do risco criado, foi ela assimilada pelo Projeto de Código Civil de 1975 (Projeto 634-B, art. 929, parágrafo único): Todavia, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assentados os extremos da teoria do risco (Capítulo XIX, infra), não há mister uma disposição especial relativamente à responsabilidade civil das pessoas jurídicas. Respondem estas pelos danos causados, uma vez estabelecido o nexo causal entre estes e o fato de quem, no momento, procede por elas.
Basta, portanto, para caracterizar a responsabilidade, uma vez adotada a doutrina do risco criado, comprovar o dano e a autoria, somente se eximindo a pessoa jurídica se provar o procedimento culposo da vítima e que, não obstante adotados meios idôneos a evitar o prejuízo, ocorreu este por fato vinculado pelo nexo de causalidade com o procedimento do agente.”
A doutrina do risco criado está posta no parágrafo único do art. 927, do Código Civil em vigor (responsabilidade objetiva) e, a meu ver, tem plena aplicação nestes autos, pois a apelada, ao criar serviço de relacionamento virtual, responde objetivamente pelo conteúdo danoso à honra e imagem da pessoa natural e jurídica, sobretudo quando não identifica o autor da obra pejorativa cuja exposição, ainda que por omissão, autorizou.
Com efeito, a criação de comunidades virtuais tem por finalidade aproximar pessoas de diferentes regiões e não imputar a qualquer delas situação vexatória sob a chancela do anonimato de seu ofensor. Por isso, o prestador desse serviço deve agir com diligência e não escudar-se em alegações simplistas no sentido de que não pode ser responsabilizado por atos de terceiros ou ainda de que diante dos milhares de acessos o controle do conteúdo (contas) apresenta-se impossível.
A realidade fática revela, todavia, que, conquanto não seja cobrada prestação pecuniária dos criadores das contas pela utilização do serviço, para realização do expediente é solicitada a identificação do participante, bem como sua concordância às regras de conduta impostas pela própria provedora de conteúdo.
Bem por isso, a requerida tem, em situação como a desse feito, o dever de identificar o autor da página e dos demais participantes que nela fizeram registros negativos, inclusive porque contra eles poderia voltar-se a fim de reaver o que for, eventualmente, obrigada a indenizar (artigo 186, do CC e 1º, III, da CF).
A propósito do tema, o c. Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
“PROCESSUAL CIVIL. ORKUT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BLOQUEIO DE COMUNIDADES. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. INTERNET E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ASTREINTES. ART. 461, §§ 1º e 6º, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. 1. Hipótese em que se discutem danos causados por ofensas veiculadas no Orkut, ambiente virtual em que os usuários criam páginas de relacionamento na internet (= comunidades) e apõem (= postam) opiniões, notícias, fotos etc. O Ministério Público Estadual propôs Ação Civil Pública em defesa de menores – uma delas vítima de crime sexual – que estariam sendo ofendidas em algumas dessas comunidades. 2. Concedida a tutela antecipada pelo Juiz, a empresa cumpriu as determinações judiciais (exclusão de páginas, identificação de responsáveis), exceto a ordem para impedir que surjam comunidades com teor semelhante. 3. O Tribunal de Justiça de Rondônia reiterou a antecipação de tutela e, considerando que novas páginas e comunidades estavam sendo geradas, com mensagens ofensivas às mesmas crianças e adolescentes, determinou que o Google Brasil as impedisse, sob pena de multa diária de R$ 5 mil, limitada a R$ 500 mil. 4. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC. No mérito, o Google impugna a fixação das astreintes, suscitando ofensa ao art. 461, §§ 1º e 6º, do CPC ao argumento de sua ineficácia, pois seria inviável, técnica e humanamente, impedir de maneira prévia a criação de novas comunidades de mesma natureza. No mais, alega que vem cumprindo as determinações de excluir as páginas indicadas pelo MPE e identificar os responsáveis. 5. A internet é o espaço por excelência da liberdade, o que não significa dizer que seja um universo sem lei e infenso à responsabilidade pelos abusos que lá venham a ocorrer. 6. No mundo real, como no virtual, o valor da dignidade da pessoa humana é um só, pois nem o meio em que os agressores transitam nem as ferramentas tecnológicas que utilizam conseguem transmudar ou enfraquecer a natureza de sobreprincípio irrenunciável, intransferível e imprescritível que lhe confere o Direito brasileiro. 7. Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real, seja virtual. 8. Essa co-responsabilidade – parte do compromisso social da empresa moderna com a sociedade, sob o manto da excelência dos serviços que presta e da merecida admiração que conta em todo mundo – é aceita pelo Google, tanto que atuou, de forma decisiva, no sentido de excluir páginas e identificar os gângsteres virtuais. Tais medidas, por óbvio, são insuficientes, já que reprimir certas páginas ofensivas já criadas, mas nada fazer para impedir o surgimento de outras tantas, com conteúdo igual ou assemelhado, é, em tese, estimular um jogo de Tom e Jerry, que em nada remedia, mas só prolonga, a situação de exposição, de angústia e de impotência das vítimas das ofensas. 9. O Tribunal de Justiça de Rondônia não decidiu conclusivamente a respeito da possibilidade técnica desse controle eficaz de novas páginas e comunidades. Apenas entendeu que, em princípio, não houve comprovação da inviabilidade de a empresa impedi-las, razão pela qual fixou as astreintes. E, como indicado pelo Tribunal, o ônus da prova cabe à empresa, seja como depositária de conhecimento especializado sobre a tecnologia que emprega, seja como detentora e beneficiária de segredos industriais aos quais não têm acesso vítimas e Ministério Público. 10. Nesse sentido, o Tribunal deixou claro que a empresa terá oportunidade de produzir as provas que entender convenientes perante o juiz de primeira instância, inclusive no que se refere à impossibilidade de impedir a criação de novas comunidades similares às já bloqueadas. 11. Recurso Especial não provido. (Recurso Especial nº 1117633/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/10 – grifei)
No mesmo sentido, colhe-se por amostragem julgado deste e. TJMG
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PUBLICAÇÃO DE MATERIAL OFENSIVO NA INTERNET SEM IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO. RESPONSABILIDADE DA PROVEDORA DE CONTEÚDO. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. À medida que a Provedora de Conteúdo disponibiliza na Internet um serviço sem dispositivos de segurança e controle mínimos e, ainda, permite a publicação de material de conteúdo livre, sem sequer identificar o usuário, deve responsabilizar-se pelo risco oriundo do seu empreendimento. Em casos tais, a incidência da responsabilidade objetiva decorre da natureza da atividade, bem como do disposto no art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Não tendo o réu apresentado prova suficiente da excludente de sua responsabilidade, exsurge o dever de indenizar pelos danos morais ocasionados. O arbitramento do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.” (A.C. n. 1.0439.08.085208-0/001, j. 12/02/2009)
Do conjunto probatório constante dos autos extrai-se que a conta intitulada como sendo do demandante consigna informações como a de que ele “… trabalhou na empresa vou botar na sua garagem…” e ainda de que “… me liguem e passem trote (38) 55272624…”, “… eu quero pagar meu carro me ajudem me liguem dando força…”, entre outras (f. 20-22).
Não se pode aceitar que, a fim de atrair usuários, a apelante estimule a criação de novas páginas sem que, para tanto, concretize em benefício da comunidade meios igualmente eficazes para se defender da ação delituosa de anônimos.
Se assim ocorre, tenho que a criação da página seguida de comentários pejorativos constitui, no contexto dos autos, práticas ofensivas à honra do autor. Isso porque, após sopesar o cenário dos fatos segundo elementos trazidos ao caderno probatório, tenho que foi extrapolado aquilo que seria, num juízo de razoabilidade, referências aceitáveis ao homem comum. Não há dúvida que a atuação no âmbito da comunidade focada mostrou-se excessiva a ponto de atingir nocivamente o patrimônio ideal do demandante, em particular quando sopesadas sua profissão (frentista) e o pequeno Município onde reside (Morada Nova de Minas – MG).
A essa altura, é de se dizer que a liberdade de expressão assegurada pelo texto constitucional não é princípio absoluto, tendo como barreira o uso escorreito e comedido da prerrogativa. A proteção referenciada no inc. IV, do art. 5º, da CR/88, é de exposição do pensamento, não de seu conteúdo. Tanto é assim que restou vedado o anonimato, a fim de que responsabilidades possam ser apuradas. Nesse sentido, valiosa a lição de Marcelo Novelino, na obra “Direito Constitucional para Concursos”, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 170:
“Esta liberdade é um direito público subjetivo que tem, no próprio instante de sua realização, o exaurimento de seu conteúdo. Em alguns casos, a manifestação do pensamento pode atingir a esfera de privacidade de terceiros ou mesmo causar-lhes prejuízos. Por essa razão, é imprescindível a identificação do responsável pelos juízos emitidos a fim de viabilizar, se for o caso, a sua responsabilização civil e/ou penal.”
Comprovado o dever de indenizar, passo ao arbitramento do quantum devido. A indenização por dano moral deve cumprir função satisfatória ou compensatória, jamais ensejar enriquecimento ilícito. Assim, tenho por razoável a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para compensar o apelante do desconforto de ver realizada na comunidade facebook comentários ofensivos a seu respeito.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para, em reforma, impor à apelada o pagamento em favor do autor da quantia de R$ 5.000,00, a título de danos morais, corrigida monetariamente de acordo com os índices da CGJ desde o presente julgamento e acrescida de juros de 1% ao mês desde a citação, bem como a obrigação de fornecer o número “IP” e demais dados capazes de identificar o usuário que criou o perfil falso. À requerida incumbirá o pagamento das custas processuais, já consideradas as recursais, e honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da condenação.
DES. DOMINGOS COELHO (REVISOR)
V O T O
Com razão o Relator ao responsabilizar a provedora, porque, como se sabe na medida que a Provedora de Conteúdo disponibiliza na Internet um serviço sem dispositivos de segurança e controle mínimos e, ainda, permite a publicação de material de conteúdo livre, sem sequer identificar o usuário, deve responsabilizar-se pelo risco oriundo do seu empreendimento. Em casos tais, a incidência da responsabilidade objetiva decorre da natureza da atividade, bem como do disposto no art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Não tendo o réu apresentado prova suficiente da excludente de sua responsabilidade, exsurge o dever de indenizar pelos danos morais ocasionados. O arbitramento do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.” (A.C. n. 1.0439.08.085208-0/001, j. 12/02/2009)
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO”
Fonte: http://www.higorjorge.com.br/
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