LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG.com.br | Twitter: @professorlfg
Há uma famosa tipologia criada pelo ex-secretário da Defesa norte-americano (Donald Rumsfeld, citado por Ferguson: 2013, p. 168) que diz o seguinte: há coisas que (a) “sabemos que sabemos”, (b) “sabemos que não sabemos” (que ignoramos) e (c) “não sabemos que não sabemos” (achamos que sabemos, mas não sabemos). A essa tríplice tipologia eu gostaria de agregar uma quarta possibilidade: há coisas que os outros sabem e que nós não queremos saber (o que queremos ignorar conscientemente – cegueira deliberada).
Em primeiro lugar, sabemos que a violência epidêmica é uma realidade objetiva no nosso país (27,1 assassinatos para cada 100 mil pessoas em 2011), que a criminalidade vem aumentando anualmente (20% da população sofreu ataques criminosos nos últimos doze meses, conforme pesquisa da Secretaria Nacional da Segurança Pública/Datafolha), que o Brasil é o 16º país mais violento do mundo, que a América Latina e a África são as duas regiões mais violentas do planeta, que a política preventiva no Brasil é praticamente inexistente e totalmente ineficaz, porque as taxas delitivas só estão aumentando, que a Justiça é morosa, que a quantidade de leis penais é exorbitante etc.
Em segundo lugar, no que diz respeito ao saber socrático (“Só sei que nada sei”), sabemos que nada sabemos (por exemplo) sobre a sugestão central da política preventiva de Beccaria (1764, Dos delitos e das penas), de que as penas deveriam ser suaves, justas, rápidas e certas (infalíveis). Isso nunca foi experimentado (sistematicamente jamais) no Brasil.
Em terceiro lugar, os legisladores brasileiros assim como a criminologia populista-midiática-vingativa (veja nosso livro Populismo penal midiático: Saraiva, 2013) acham que sabem, mas nada sabem sobre o real efeito preventivo (a) da edição de novas leis penais e do agravamento das sanções ou da execução penal assim como do (b) encarceramento massivo abusivo, que inclui a prisão das classes tidas como perigosas, mesmo sem o cometimento de crimes violentos. Aliás, são esses os dois eixos (o núcleo duro) da política “preventiva” da criminalidade no Brasil. Mas com essa política “de mão dura” a criminalidade nunca reduziu. Ao contrário, só está aumentando.
Em quarto e último lugar, há uma infinidade de coisas que os outros sabem, que o mundo civilizado sabe e que muita gente (dos países mais atrasados) não quer saber. Nos países de capitalismo avançado e distributivo (Dinamarca, Suécia, Suíça, Noruega, Finlândia, Canadá, Japão, Coréia do Sul, Alemanha, Áustria etc.) eles sabem muito bem, por exemplo, que existe relação direta entre IDH, desigualdades e homicídios. Disso as classes burguesas dominantes do capitalismo retrógrado e absurdamente desigual (como é o caso do capitalismo liberal verde-amarelo) não querem saber (não lhes interessa saber). Estamos no campo da cegueira deliberada.
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