Há algum tempo, escrevi sobre a inconstitucionalidade da redução maioridade penal (http://http//felipemorandini.jusbrasil.com.br/artigos/112337213/a-inconstitucionalidade-da-reducao-da-maioridade-penal), e recebi diversas críticas (muitas de cunho "Datenístico") a respeito de minha suposta "hipocrisia" e "ímpeto em 'defender bandidos'", porque não defendo o revanchismo criado pela sociedade e pela mídia de hoje, mas sim por um direito justo. Diante de tal fato, irei aqui tecer alguns comentários acerca da medida (e consequentemente, acerca dos cometários colocados)
1º: No plano legal, não há "irresponsabilidade" do jovem perante o Estado, portanto não há necessidade de se alterar a legislação nesse sentido. O menor, inimputável, é submetido a uma medida sócio-educativa que dura 3 anos (basicamente, permanece "preso" durante 3 anos na Fundação Casa, porém sendo reeducado). Se isso não acontece na prática, é outro problema, que exige solução diversa.
2º: A proporção de jovens delinquentes no Brasil é pequena. Segundo pesquisa do ILANUD (Instituto Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinquente), do total de crimes cometidos no país, apenas cerca de 10% são cometidos por menores de 18 anos.
3º: No mesmo sentido, crimes contra a vida são minoria entre os internados. A maior parte dos jovens internados na Fundação Casa cometeu crimes de cunho patrimonial, seguindo a média dos maiores de 18 anos. Segundo dado de 2011 do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), 70,5% dos presos cometeram crimes patrimoniais, enquanto apenas 19% dos crimes cometidos se enquadram nos crimes contra a pessoa (detalhe que aqui não falamos em crimes contra a "vida" apenas, mas também de lesões corporais, rixa, crimes contra a honra, etc.). Tendo isso em vista, não vejo a valoração do bem jurídico "vida" como argumento para alteração de nossa política criminal.
4º: Temos a quarta maior população carcerária do mundo. O Brasil hoje tem uma população carcerária de cerca de 500 mil presos, menos apenas que Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 Milhão) e Rússia (740 Mil). Detalhe que aqui temos problemas com superlotação, déficit de vagas e tortura (física e psicológica). Inserir o jovem nesse mundo é uma receita explosiva, que só pode gerar consequências funestas.
5º: A redução traria jovens cada vez mais novos ao crime organizado. Já se sabe há tempos que membros do crime organizado aliciam jovens (muitas vezes menores) para o mundo do crime. A expectativa é que, com a redução, adolescentes cada vez mais jovens sejam trazidos ao crime organizado, desde o jovem recluso, em contato direto com os traficantes, ao menor mais jovem, mais próximo dessa realidade.
6º: Maioridade penal de 10 e 12 anos na Europa é falácia. Com um pouco de pesquisa verá que a média é bem próxima dos 18 anos. A idade utilizada em tais dados é, na verdade, a idade para uma punibilidade parcial, em que o jovem, embora respondendo pelos próprios atos, é submetido a medidas sócio-educativas. No Brasil, essa idade é de 12 anos, nos termos da Lei 8.069/90.
7º: É impossível a aplicação de uma lei "sueca" em um país "quase africano". Posso até parecer preconceituoso em relação à África, ou parecendo um "brega que usa bordões pré-fabricados", mas deixemos isso de lado por enquanto. Somos um país subdesenvolvido, com características culturais de país subdesenvolvido. Não podemos simplesmente querer trazer dispositivos legais de países mais desenvolvidos. Além disso, cada país faz suas leis, baseado nos seus usos e costumes, e nos problemas que tem de resolver. O fato de tal lei ter funcionado na Suécia, na China ou no Turcomenistão não significa que funcionará no Brasil. Temos um povo próprio, e uma cultura própria, que reage de maneira própria a determinadas políticas.
8º: “Um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a infalibilidade dessa...". O trecho de Beccaria no livro"Dos Delitos e das Penas"mostra que o rigor da pena causa menor impressão no delinquente do que a certeza da punição. A maior prova disso no Brasil foi a lei de Crimes Hediondos (Lei8.072/90), que visava coibir determinados crimes de maior recorrência no país, e terminou por não atingir o efeito desejado. Nosso problema não está na legislação, e sim na falta de políticas públicas para a concretização dessa legislação. Continuando, aduz Beccaria:
"A certeza de um castigo, mesmo que moderado, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade.” (BECCARIA, Cesare, Dei Delitti e Delle Pene, cap. XXVII: Dolcezza delle Pene – Tradução Própria)
9º: A maturidade de um jovem não é a mesma de um adulto. Pareço o "capitão óbvio" dizendo isso, mas com os comentários recentes, faz-se necessário. O jovem pode até ter o mesmo conhecimento de um adulto, mas é emocionalmente menos desenvolvido. O jovem pode até ter o mesmo discernimento mental de um adulto, mas é muito menos maduro. Suas expectativas de ressocialização também são muito maiores. Com políticas sociais necessárias, e a correta aplicação das medidas sócio-educativas propostas, as chances de ressocialização de um jovem são muito maiores do que as de um adulto. Na questão da maturidade, aduz Eugenio Zaffaroni:
"Ninguém pode exigir que um adolescente tenha a maturidade de um adulto. Sua inteligência está desenvolvida, mas seu aspecto emocional não. O que você faria se um adolescente jogasse um giz em outra pessoa na escola? Em vez disso, o que você faria se eu jogasse um giz no diretor da faculdade de direito em uma reunião do conselho diretivo? Não se pode alterar a natureza das coisas, uma adolescente é uma coisa e um marmanjo de 40 anos, outra."(Em entrevista à EPSJV/Fiocruz, 29/07/2013)
10º: "Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter". Em mais um trecho da entrevista de Eugenio Zaffaroni, mostra-se que o crime é mais do que mero ato, mas uma forte questão política. O delinquente, além de questões psicológicas, é movido por questões sociais relevantes. No caso do Brasil, a extrema pobreza e a falta de educação são fatores de extrema relevância para a alta da criminalidade. Não digo que toda pessoa pobre e sem educação vá cometer delitos, mas é condição que leva uma série de pessoas à criminalidade. Aqui o trecho completo:
"Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter. Isso explica que os EUA tenham o índice mais alto do mundo e o Canadá quase o mais baixo de todo o mundo. Não porque os canadenses soltem os homicidas e estupradores, mas porque o nível de criminalidade média é escolhido de forma política. Não há regra quando se trata de casos de delinquência mediana, a decisão a respeito é política, portanto, pode ser arbitrária ou não. Ademais, a maioria de nossos presos latino-americanos não estão condenados, são processados no curso da prisão preventiva. Como podemos discutir o tratamento, quando não sabemos se estamos diante de um culpado?"
Diante desses comentários, espero ter esclarecido alguns pontos relevantes em relação ao assunto. Não faltam leis, mas políticas públicas para que se apliquem corretamente seus preceitos. Um sistema sócio-econômico desigual e violento apenas piora a situação. Deve-se buscar soluções mais eficientes para o problema da violência, e sair da esfera do "imediatismo" populista.
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