Sorriso levemente interrompido, olhar de lembranças desconfortáveis, pensamento que procura uma explicação para determinadas ações humanas. Se você é um agente penitenciário, leia atentamente: um dia você poderá expressar esta mesma feição.
O guerreiro da foto é um dos agente penitenciário mais respeitados do sistema prisional em Campina Grande, tanto pelos colegas de ontem como pelos companheiros de hoje. Um profissional preparado para cumprir sua missão em qualquer unidade penal deste país.
Não, não é exagero. O agente penitenciário Josemar, que coordena um dos plantões no famigerado presídio do Serrotão, já passou por situações que dinheiro nenhum no mundo é capaz de compensar. Viu a morte bem perto. E até hoje agradece a Deus por estar vivo.
Se hoje, que o sistema prisional sofre de inanição de funcionários, trabalhar num presídio é ‘coisa de louco’, imagine há cinco ou dez anos atrás, quando o efetivo era praticamente a metade do atual...
Foi ali, naquele deserto de servidores penitenciários, que o guerreiro da foto desceu os cerca de 150 metros que separam o Portão 3 do último pavilhão daquela penitenciária. Uma caminhada sem garantia de volta.
Com as chaves na mão e uma desconfiança na cabeça, o agente penitenciário não poderia deixar de cumprir a lei e abrir as celas para o banho de sol dos apenados. Bastou destrancar o primeiro cadeado, para que os episódios seguintes começassem a moldar os traços sutis da foto acima.
Dez, vinte, trinta presos com camisas no rosto e espetos na mão emitiam ordens como se fossem os donos do presídio (e naquelas circunstâncias, eram mesmo). Ao agente penitenciário não restou outra alternativa, a não ser obedecer.
- É tudo muito rápido, você perde a noção das coisas. São muitos à sua volta, cada um falando mais alto do que o outro, de forma que no fim você não entende quase nada. Apenas pensa na vida, na família, nos amigos que podem estar em perigo também. Eu nunca mais vou esquecer daquele dia – disse Josemar, em entrevista ao ParaibaemQAP.
O dia a que ele se refere realmente jamais poderia sair da memória de quem o viveu. Foram seis assassinatos numa das rebeliões mais sangrentas do Serrotão, eclodida no ano de 2003. Corpos furados, decepados e queimados era o que se via nos pavilhões da casa penal, um ambiente de terror que parecia ser eterno na vida do agente.
- Eles mandaram eu desligar o rádio de comunicação, encostar na parede e ficar quieto. A ‘bronca’ não era comigo, mas qualquer reação minha não seria tolerada. Eles iriam me matar também – relatou o agente penitenciário.
Depois dos assassinatos, os amotinados retornaram aos pavilhões. A polícia ocupou o presídio, a imprensa começava os primeiros interrogatórios e os míseros quatro agente penitenciário do dia não encerraram sua missão. Ficaram para ajudar na remoção dos corpos...
Superficial
A página de um site é um espaço muito pequeno para a narração fiel do que Josemar vivera naquele dia. Por mais que tentemos, nada chegará nem perto da real pressão sofrida pelo agente.
Coragem e dedicação
Para trabalhar num local desarmado, com efetivo irrisório, cercado por ‘mentes’ da pior espécie e presenciar espetos atravessarem abdomens é preciso muita coragem. E que predicativo atribuir quando, 48 horas depois, esse mesmo trabalhador está ali no mesmo cenário, sujeito a passar pela mesma situação?...
Prova de fogo
Depois daquela (e de outras) rebeliões, muitos funcionários do Serrotão pediram dispensa do serviço. Na opinião deles, os riscos eram grandes demais para tão pouco retorno moral e financeiro. Hoje, com uma leva de agentes ‘novatos’ e outros que estão por vir, é possível que, numa situação parecida, alguns desistam de manter a tranqüilidade da população, garantindo a permanência de criminosos atrás das grades. Aos que suportarem passar por essa difícil etapa da vida, parabéns. Irão conter o sorriso, amargar o passado e repudiar a perversidade humana. Mas estarão preparados para o que der e vier.
Como o agente penitenciário-guerreiro Josemar.